
TEM DIAS que você acorda que sei lá. Não aconteceu nada
que te aborrecesse, nenhum problema à vista, tudo bem
em todos os sentidos -os normais- e você está péssima.
Para começar, não consegue levantar da cama, e nela
ficaria o dia inteiro, a vida inteira, a troco de nada.
A cabeça está ruim, o analista está viajando, os amigos
estão fazendo coisas, não têm tempo nem competência
nem paciência para ouvir você -e, no fundo, ouvir o quê,
se nem você mesma sabe o que dizer?
Fica pensando: o que poderia acontecer agora para sair
desse estado ridículo -porque a depressão sem razão é
quase ridícula, mas a gente só sabe disso depois que
ela passa-, com tanta gente sofrendo por razões sérias
e você sem nenhuma. E o pior é que quando se está
nesse estado nunca se pensa que ele vai passar.
E pensar em viver assim a vida toda, realmente não dá.
É uma agonia, quem sabe entrando num chuveiro as
coisas melhoram? E a força para levantar e tomar um banho?
Já cansou de ouvir falar que sair e andar um pouco é tiro
e queda, mas se vestir, botar um tênis e ver o dia bonito,
o céu azul e as pessoas alegres, correndo, rindo, é tudo
que não se quer. Se pelo menos estivesse chovendo,
fazendo frio, mas não: está um dia maravilhoso, e assim não dá.
Botar um CD nem pensar, ligar a TV também não,
é quase uma dor física no peito, é claro, que dói
mais que uma pedra no rim, pois para essa você
sabe que há remédio. O jeito é continuar no fundo
das cobertas tentando não pensar em nada, e na
verdade não pensando, e tão triste que não consegue
lembrar um só momento de alegria e felicidade que já tenha tido,
e achando que a vida não tem solução.
E será que tem? O dia vai passando, nada melhora,
e você não faz rigorosamente nada para tentar sair dessa.
Para não morrer de fraqueza, pega na geladeira uma gelatina,
essa pelo menos escorrega pela garganta sem precisar nem mastigar.
Mas a vontade de viver é sempre mais forte, e já à tarde,
com a cabeça funcionando melhor, resolve que vai melhorar.
Começa devagar: levanta da cama, enche a banheira com
uma água bem quentinha e toma um banho sem pressa;
depois se veste, põe um suéter bacana, se maquia -muito
importante- vai para a sala e começa a olhar em volta.
Tem uma casa bonita, exatamente como queria, e
importante: nenhum eletrodoméstico está com defeito,
tudo está funcionando, o que é uma benção dos céus.
E começa a bater uma certa fome, sinal de que as coisas
estão melhorando. Mas fica quietinha, esperando; e umas
duas horas depois decide -porque isso é uma questão de
decisão- que chega, não vai ficar assim não.
Pega a bolsa e vai a um restaurante de que gosta,
pede uma caipirinha da fruta mais alegre que existe,
o caju, e depois uma carne sangrenta com farofa e batata
frita, tudo que evita 360 dias por ano. E pensa que não
há nada melhor do que poder fazer exatamente tudo o
que quer, na hora em que quer, que tem o direito
de às vezes cair em depressão e não ter que dar satisfações a
ninguém, nem à amiga nem ao analista, e que isso é a coisa
mais importante deste mundo. Porque ser livre para ser feliz,
ou até infeliz, é um privilégio que todos devem ter.
Danuza Leão
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